- Vamo-nos... em... bora!...-gaguejou João Medroso com as garras ferradas nos braços do pobre candidato a ave. - Esta terra está embruxada.
- Porquê?
- Olha como aquela pedra mexe. Ali...
João Sem Medo seguiu com o olhar a direcção indicada pelo dedo vacilante do companheiro e facilmente reconheceu que uma pedra enorme se movia com lentidão de peso.
- Vês? - tartamudeou o covarde de cabelos arrepiados à porco-espinho.
- Vejo... - admitiu o outro João muito tranquilo.
- E então? Não tens medo?
- Não... Primeiro porque sou o João Sem Medo. Segundo, porque jurei esconder o medo de mim mesmo, para não me desprezar. Terceiro, porque uma pedra a andar não me desperta medo, mas apenas curiosidade de saber porque anda.
- Pela tua rica saúde, vamo-nos embora - tremelicava João Medroso.
- Estás doido! Agora não me afasto daqui enquanto não decifrar o mistério.
E calou-se para analisar com atenção extrema os movimentos da pedra que - sobre isso não havia dúvidas - se deslocava no solo.
- Evidentemente, trata-se de uma espécie de tampa que cobre a abertura de um subterrâneo... - raciocinou João Sem Medo em voz alta para o medrolas. - Movida por um mecanismo qualquer...
Conclusão que se comprovou daí a somenos quando a pedra estancou e os dois rapazes verificaram a existência insofismável dum buraco aberto na terra donde, decorrido algum tempo, saíram em fila vários vultos simiescos que tresandavam a suor e carregavam às costas sacos pesadíssimos.
...
E as aventuras de João Sem Medo no "reino" fantástico por detrás do muro que trepou para ver o " Mundo" que havia para além da sua chorosa terra "Chora - Que - Logo - Bebes" continuam.
E as pedras? Estava à espera que fossem algo de fantástico, fabuloso, irreal, diferente. Mas não. Apenas abriam um caminho para homens que transportavam comida para outros homens que viviam nas alturas das suas árvores e não precisavam de se preocupar com as coisas comezinhas da vida, como seja o que comer.
Fiquei triste. Queria umas pedras fabulásticas.
Quanto à moral da história, nada de novo...
Para quem gostar: José Gomes Ferreira "Aventuras de João Sem Medo PanfletoMágico em forma de Romance"
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12 comentários:
E tudo isto porque a R. viu um rapaz numa árvore.
Nenhum de nós sabe o que existe e o que não existe. Vivemos de palavras. Vamos até à cova com palavras. Submetem-nos, subjugam-nos. Pesam toneladas, têm a espessura de montanhas. São as palavras que nos contêm, são as palavras que nos conduzem. Mas há momentos em que cada um redobra de proporções, há momentos em que a vida se me afigura iluminada por outra claridade. Há momentos em que cada um grita: - Eu não vivi! eu não vivi! eu não vivi! - Há momentos em que deparamos com outra figura maior, que nos mete medo. A vida é só isto?
(Raúl Brandão.)
pedras, vou ter que ler este livro?
já tenho tantos na lista.
eu estava a fumar o meu cigarro pouco pensativo e o miúdo (é profeta, já o vi por cá) a subir e descer a árvore. apenas.
[isto agora, dá-lhes para a literatura, não há quem os aguente]
Obrigada pelas vistas e contribuições para um projecto que avança lento. Mais umas refeências para o meu livrinho de pensamentos, gritos, desabafos e registo de "palavras" interessantes.
Eu vivo rodeada de palavras. E realmente algumas pesam toneladas. Que nem as minhas queridas pedras.
Sim. Rosinha tens de ler o livro. Pelo menos para ver se temos algo para falar. É um livro que consta da lista de livros de leitura orientada ou recreativa do 2º ciclo. Não sei quem faz essas selecções. Não é um livro para crianças de 2º ciclo. Tenho dito.
.......já conheco as pedras do caminho.......
um abraço
Como geólogo, sinto orgulho no gosto demonstrado pelas pedras (rochas, como gostamos de lhes chamar).
Como apreciador de música, a canção "Estou Além" de António Variações, é um hino!
Como bloguer, muitos parabéns pelo que escreve e pela forma como o faz. Força!!!
A propósito, excelente escolha literária, as "Aventuras de João Sem Medo".
Obrigada j.p.g.!
Gostei muito de me passear pela sua "calçada".
Os homens e as mulheres em sociedade são como as pedras numa abóbada, resistem e ajudam-se simultaneamente .
Vá caríssima,aguardo mais aventuras e outros passarões.
proponho que seja no fim-de-semana.
Terá mesmo de ser no fim de semana. Ando em processo de mudanças. Sabes, aquilo que dá conta de mim...
Mas aqui fica o meu muito obrigada pelo incentivo.
Pedras selecciona logo as coisas. Por Zeus, não encaixotes tudo.
pedras, DEITA FORA. A sério!!
Oferece, se alguém precisar.
Vá lá...
Um dos meus livros de cabeceira de sempre, tenho até aqui, no quadro em frente aos olhos a mesma frase que João viu antes de passar o muro: "É proibida a quem não andar espantado de existir"
Obrigado pela visita e pelos comentários e fica com, além de um beijo, um poema do Zé Gomes:
"Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.
Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guias
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.
Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.
Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva."
José Gomes Ferreira
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